Capítulo Sete
O rei levantou-se furioso. Como aqueles moleques não haviam morrido?! Era inaceitável. Ele precisava fazer alguma coisa.
- Esse golpe não foi válido!- gritou o monarca, sorrindo consigo mesmo. Sua palavra, em grande parte do tempo, era lei.
- Como assim?- berrou Avalas, alterado. Uma veia pulsava em sua testa. – Como não valeu? Corash nunca infringiu uma única regra dessa arena estúpida!
- Esse golpe foi, claramente, mágico. E Corash se disse arqueiro, não mago. A não ser que a senhorita Mahslia o tenha ajudado, mas ela não moveu um músculo sequer. Então, o golpe foi inválido. E eu condeno vocês à...
- Nada. Quem condena sou eu, e não Vossa Majestade- disse uma voz de trovão. Um elfo alto e magro ergueu-se do seu trono no camarote do rei. – Por favor, não se esqueça de quem é o Grande Juiz aqui.
O rei hesitou, mas cedeu a palavra ao outro elfo, com a cabeça baixa. Ele parecia...
- Derrotado. Humilhado. Não é o que parece, Corash?- perguntou Mahslia, surpresa com a súbita mudança de postura do monarca.
- Sim. Lian Fiar sempre foi imponente. De fato, por sua imponência e sabedoria, conquistou merecidamente o posto de Grande Juiz.- respondeu Avalas.
- Lian Fiar? Que nome estranho. Como você o conhece?- questionou Corash.
- Deixe de ser ignorante, Corash. “Lian” significa “Mestre”- retrucou Avalas, impaciente.- Eu fiz a Escola Militar, esqueceu? Ele era o professor de Arquearia e de Estratégias. As aulas dele eram excelentes.
- Calem a boca!- sussurrou Mahslia, mortificada- Lian Fiar quer falar!
Ambos Corash e Avalas coraram e silenciaram.
- Muito bem. Agora que temos silêncio, podemos começar o julgamento.- sentenciou o elfo, magnânimo.
A esta altura, talvez seja apropriada uma breve descrição da política de Lynzea.
Existiam cinco Poderes do governo, cada qual com vantagens e prejuízos em relação as outras, mas com igual influência.
O primeiro deles era a Aliança Real, formada pelos nobres e membros da Família Real, ou simplesmente Família. A Aliança Real cuidava das questões administrativas de Lynzea. Tinha muito poder, aparentemente, mas, na verdade, era o governo mais fraco do continente, apesar de ser, de longe, o mais luxuoso. Como exemplo de sua luxuosidade, só o rei e sua comitiva podiam andar a cavalo no reino quando não fosse treinamento militar ou guerra.
O segundo Poder governamental era chamada de “O Tribunal”, ou simplesmente “Tribunal”. Responsável por fazer cumprir as leis de Lynzea, O Tribunal era composto por vários juízes, espalhados pelo território de Lynzea. Em sua máxima instância, o Tribunal era composto por dez Juízes, que não poderiam conversar com os outros para não serem influenciados em seu julgamento. A sentença de cada Juiz tinha de ser explicada, ou o julgamento seria refeito, até que a justiça fosse feita. Em caso de empate, o Grande Juiz decidiria o que seria feito. O poder d’O Tribunal era, provavelmente, o maior. Os outros poderes, invariavelmente, acabavam se curvando perante O Tribunal.
O terceiro Poder era conhecido como LPMC, Laboratório de Pesquisas Mágicas e Cientificas, responsável pela promoção de novas tecnologias bélicas (espadas mais resistentes, arcos que alcançassem mais longe, etc) e desenvolvimento de magias, tanto de cura quanto de luta. O chefe do LPMC, conhecido apenas como Sarbrar, era um homem magro e pequeno, apesar de ser inteligentíssimo e ter uma aura que dava medo. O LPMC era tratado como um órgão a parte, livre para fazer o que quisesse, desde que fosse legalizado.
O quarto Poder se chamava Ministério da População. Oficialmente, claro. Para o povo, o Ministério da População se chamava Bem-Estar. Na verdade, esse deveria ser o objetivo final do Ministério. Zelar pelo interesse da população, propondo novas leis, projetos sociais, construindo escolas e hospitais... O Ministro, invariavelmente, era um elfo amado pelo povo.
O quinto e último Poder era o militar. O Eixo da Guerra era um dos Poderes mais importantes, por ser o poder que defendia o reino de Lynzea nos tempos de guerra. O Eixo da Guerra possuía um dos mais poderosos exércitos da época, graças ao Comandante-Geral Malrua, também conhecido como Estrela da Guerra, que era um gênio estratégico.
Todos os meses os chefes de governo se reuniam oficialmente para discutir a política do reino e assistir algumas lutas na Arena. Nunca havia acontecido do Grande Juiz em pessoa assumir um julgamento. O rei estava abismado com o que havia acontecido.
- Qual o nome do arqueiro?- perguntou Lian Fiar
- Corash, senhor. Corash Lam.- respondeu Corash. Ele falaria antes do rei?
- Muito bem, Corash. Conte-nos o que aconteceu.
- Bom... Meus companheiros e eu estávamos viajando. Para dar passagem ao rei, que ouvimos à distância, nos embrenhamos na mata, onde não o incomodaríamos. Porém, quando estávamos conversando, fomos capturados por batedores do rei. Fomos trazidos para cá e...- hesitou Corash, pensando no que acontecera. De fato, agora parecia surreal.
- Prossiga. E não se preocupe, o que for justo será feito.- encorajou Lian Fiar, acenando positivamente com a cabeça.
- Bom, nós lutamos, como todos viram. E a flecha flamejante simplesmente...
- Saiu. Veio do fundo de sua garganta, como algo ancestral despertado em você.- completou o Juiz, acenando compreensivamente com a cabeça.
- Exato! Como o senhor...
- Não importa como sei, o que importa é que sei.- respondeu, magnânimo, Lian Fiar. – Terminou, Corash?
- Sim...- respondeu o arqueiro, hesitante
- Então, é a vez do nosso queridíssimo monarca.- replicou Lian Fiar, com certa ironia na voz. Era claro que existia uma rixa entre o rei e Lian Fiar. Algo na relação deles não tinha ocorrido nada bem.
- Perfeito.- respondeu o rei, levantando-se.- Caro senhor Juiz, este moleque disse a nós que era um arqueiro.
- Ele falou por vontade própria?- perguntou o Juiz, com sagacidade.
- Er... Não. Nós os capturamos como reféns, após um de nossos batedores ouvir coisas deles. Nós não fizemos interrogatórios, apenas perguntamos suas classes e os amarramos. Eles foram trazidos como gladiadores.
- Certo, e qual o seu argumento?- tornou Lian Fiar, com tédio.
- Como ele se disse arqueiro, não pode usar magias!- respondeu o rei, sorrindo maliciosamente.
- Entendo... Você lembra do que ele disse, especificamente?- questionou o Juiz, com um brilho nos olhos. Um brilho que deveria ter alertado o monarca.
- Sim. Ao perguntarmos: “Você, garoto que usa um arco, é um arqueiro?”, ele respondeu: “Sim, sou da vila de Sparon, arqueiro em treino”. Para começar, como arqueiro em treino, nem poderia estar viajando sozinho.
- Para começar, meu caríssimo monarca, os garotos nem deveriam ter sido trazidos para a Arena. Apenas os guerreiros formados e maiores de idade podem lutar aqui. Então, o senhor é tão ou mais culpado que ele. Corash Lam omitiu informações, mas o senhor infringiu as leis.- disse Lian Fiar, ferozmente. – Portanto, caro monarca, eu digo que Corash Lam é inocente, em relação à sua acusação.
Avalas, Mahslia e Corash respiraram, aliviados. Livres, finalmente?
- Porém...- hesitou o Juiz, como que lutando contra si mesmo- Corash Lam e seus colegas atuaram, respectivamente, como mentiroso e cúmplices. A mentira é passível de punição, quando sua magnitude é grande. Uma morte é grande coisa. E, segundo as leis de Lynzea, um participante só pode ser retirado de um torneio que começou a participar de um modo: sendo impossibilitado de lutar. Assim, condeno Corash Lam e seus amigos, Avalas e Mahslia, à prisão e à luta na Arena.